O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta terça-feira (10) o interrogatório dos oito acusados de tentativa de golpe de Estado em 2022, entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O primeiro interrogado do dia foi o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, seguido do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do general da reserva Augusto Heleno.
No entanto, o advogado do militar, Matheus Milanez, afirmou que o cliente só responderia aos questionamentos feitos pela defesa. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, aceitou a colocação, mas mesmo assim fez as perguntas.
Para a defesa, Augusto Heleno negou qualquer tipo de participação na tentativa de golpe. Disse que não tinha o que as investigações chamaram de “caderneta do golpe” e nem influenciou politicamente seus funcionários do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
“Não havia clima para fazer pregação política e nem utilizar os servidores do GSI para atitudes politizadas”, disse. Apesar de se dizer a favor do voto impresso, Heleno assegurou que não contribuiu para divulgar desinformação sobre fraude em urnas eletrônicas. “Não, não tinha nem tempo para fazer isso.”
Anderson Torres
Moraes questionou Torres sobre as declarações dele sobre fraude no sistema de urnas eletrônicas. Também sobre falas agressivas que poderiam suscitar dúvidas sobre a passagem de poder para Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito.
Torres afirmou que o material que chegou a ele era somente sobre melhoria das urnas.
“Tecnicamente, não temos nada que aponte fraude nas urnas. Quando era questionado pelo presidente, sempre falava que não tinha nada sobre o assunto”, confirmou.
Moraes também questionou sobre uma fala de Torres em reunião com Bolsonaro e outros ministros, dizendo que “todos iam se foder”.
“Peço desculpas pelas palavras, era uma reunião fechada. Acabei me excedendo, não estava bem. O que eu quis dizer é que se perdêssemos as eleições, tudo seria perdido”, explicou Torres.
O ex-ministro também lembrou que estava em um parque de diversões na Flórida quando recebeu a notícia da invasão na Praça dos Três Poderes. “Mandei mensagem para o meu secretário e falei: ‘Não deixa chegar no Supremo’. Fiquei desesperado e liguei para todo mundo. A grande verdade é que o protocolo que deixei teve uma falha grave”.
E afirmou que a minuta do golpe encontrado na casa dele não era para ser discutido, que não sabe quem fez. “Eu levava documentos para casa, eu nem me lembrava desse documento. Foi uma surpresa quando a Polícia Federal pegou. Foi parar na minha casa, mas eu nunca discuti isso”, garantiu.
Garnier
Segundo o almirante Garnier, não houve minuta de golpe de Estado, mas somente parte de uma análise do cenário político do Brasil, com informações, por exemplo, sobre caminhoneiros e do processo eleitoral.
“Não vi minuta, vi informações em tela de computador. Não recebi um documento”, garantiu.
Ele confirmou ter se encontrado com o ex-presidente Jair Bolsonaro após a derrota nas Eleições de 2022, mas negou ter colocado as tropas à disposição para uma suposta manutenção do poder. “Nunca falei essa frase”, completou.
“O presidente [Jair Bolsonaro] tinha preocupação com pessoas que estavam insatisfeitas e estavam nos quartéis. Não se sabia para onde ia o movimento”, afirmou Garnier.
Em relação às reuniões após as eleições, Garnier explicou que a principal preocupação do então presidente e dos membros do ex-governo eram as “inúmeras pessoas que estavam, digamos assim, insatisfeitas e se posicionavam”.
Mauro Cid
Cid relatou que Bolsonaro apostava em fraude ou pressão popular para tentar reverter resultado das eleições.
“A primeira hipótese era encontrar fraude nas eleições. A outra, por meio do povo radical, encontrar uma fórmula que permitisse reverter a situação.”
Segundo o delator, Bolsonaro recebeu a minuta de golpe e teria “enxugado” o documento original.
“O presidente Jair Bolsonaro recebeu e leu esse documento. E fez algumas alterações no documento. De certa forma, enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões”, disse Cid, completando que apenas Moraes foi mantido nessa lista de presos.
Cid reafirmou que não foi coagido a delatar os casos. E que áudios com críticas à delação foram desabafos em meio a crise pessoal.
O advogado de Bolsonaro, Celso Sanchez Vilardi, perguntou se Mauro ouviu de Bolsonaro que, sem a comprovação de fraude nas eleições, não haveria espaço para qualquer tipo de ação institucional.
“A questão era: se não houvesse fraude, nada ia acontecer. Se houvesse fraude, ele agiria. Essa era a lógica. ‘Não foi encontrada a fraude, nada vai acontecer’, foi o que ele repetiu em diversas mensagens a diferentes interlocutores.”
Segundo Cid, essa avaliação era compartilhada desde o início com aliados e militares próximos. Mas sabia que a posição das Forças Armadas não era de golpe.
“Independente do que acontecesse nas eleições, dificilmente algo seria feito. Sem o apoio das Forças Armadas, não teria como seguir com nada”, avaliou.
Cid repetiu que nunca ouviu de Bolsonaro algo do tipo: “‘Temos que achar uma fraude’ ou ‘Precisamos forjar algo para decretar alguma coisa’”. “Não havia esse tipo de condicionante explícito da parte dele”, completou.
Ramagem
Em seguida, Moraes interrogou Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Ramagem negou ter participado da divulgação de documentos com críticas ao sistema eleitoral brasileiro.
Ele afirmou que o material atribuído a ele, contendo informações falsas sobre a empresa Positivo e desconfianças sobre as urnas eletrônicas, era um “documento privado” com “opiniões pessoais” que jamais foram compartilhadas oficialmente.
O conteúdo apresenta uma narrativa voltada a desacreditar o processo eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.
“Tudo o que coloquei nesse documento são anotações pessoais, privadas. Não houve difusão ou encaminhamento. Era algo meu, com opiniões privadas, não oficiais. Não foi compartilhado com ninguém”, afirmou Ramagem.
Dinâmica
As audiências estão sendo realizadas presencialmente na Corte. A única exceção é o interrogatório do general Walter Braga Netto, que será feito por videoconferência, já que o militar está preso.
Estão autorizados a acompanhar os trabalhos o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e os ministros da Primeira Turma: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Nesta fase processual, os questionamentos seguem a seguinte ordem: primeiro fala o juiz instrutor, ministro Alexandre de Moraes; depois, o procurador-geral da República; e, por fim, as defesas dos corréus — sempre seguindo a ordem alfabética dos réus.
À frente de Moraes, há uma mesa com dois lugares, onde se sentam o réu da vez e seu advogado. Atrás, foram organizadas oito mesas individuais, separadas por cerca de um palmo, para acomodar os demais réus e seus advogados.
Nas fileiras anteriores, podem se posicionar outras bancas de advogados. Nas laterais superiores da sala, à direita e à esquerda, estão os profissionais da imprensa.